

Um fitoterápico feito a partir da casca da árvore amazônica goiaba-de-anta (Bellucia dichotoma) para ser usado como antiinflamatório e bloquear as reações edematogênicas, provocadas pelo veneno da jararaca-do-norte (Bothrops atrox) é o objetivo principal de uma pesquisa desenvolvida por uma equipe de pesquisadores tendo como coordenadora a bióloga, doutora em imunologia e professora da Ufam, Maria Cristina Sampaio.

Evaldo Ferreira: @evaldo.am
Maria Cristina e Valéria Mourão à frete da pesquisa sobre a goiaba-de-anta
A pesquisa começou a ser desenvolvida na Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará) a partir de uma tese de doutorado das pesquisadoras Valéria Mourão de Moura e Luana Travassos, após um levantamento de plantas utilizadas como antiofídicas pela população com a obtenção de diversas informações do uso tradicional. O estudo terminou na Ufam com a colaboração de vários professores do curso de Farmácia, em parceria com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e Fapeam (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas).
Nessa entrevista ao Jornal do Commercio, Maria Cristina detalhou melhor o trabalho da equipe e a comprovação positiva do antiinflamatório.
Jornal do Commercio: Como foi descoberto que a goiaba-de-anta poderia atuar como antiinflamatório contra a picada da jararaca-do-norte (bothrops atrox)?
Maria Cristina: Durante o mestrado, num estudo etnofarmacológico feito pela hoje doutora Valéria Mourão de Moura, ela observou que moradores e curandeiros da região de Santarém, citavam a goiaba-de-anta como potente antiofídico, então começamos a trabalhar para verificar se realmente aquela fruta tinha, ou não, ação antiinflamatória, e realmente foi constatado que a fruta possuía essa ação contra o veneno da jararaca-do-norte. Notamos que ocorria uma diminuição do edema, o inchaço local da picada. Foi uma observação muito interessante porque o soro antiofídico não neutraliza essa ação.
JC: Quando a equipe começou a realizar essa pesquisa?
MC: Começamos em 2012, e terminamos agora com a confirmação do fitoterápico. Fizemos a parte da formulação em laboratório, e foi constatado que a formulação proposta pela Dra. Keila Emanuele, professora de farmácia da Ufam, deu certo. Hoje transformamos o estrato, de como a população usa, num pó efervescente, que deve ser dissolvido na água e tomado.
JC: O remédio, então, será apresentado como um pó efervescente?
MC: Sim. Será uma solução solúvel em água, nas doses recomendadas e testadas pela população que já o usa tradicionalmente, também testadas em animais. Não é tóxica e vai ser utilizada como coadjuvante do tratamento de acidentes com ofídios, porque o soro é o remédio recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde). O soro serve para neutralizar o veneno, enquanto o fitoterápico irá auxiliar na diminuição dos efeitos locais, que o soro não é capaz de neutralizar.
JC: Goiaba-de-anta. Que fruta é essa?

MC: A goiaba-de-anta (bellucia dichotoma) é uma árvore nativa da região amazônica, cujo fruto é uma variedade de goiaba. Os frutos são utilizados pela população do interior para a produção de sucos e doces caseiros, mas a casca da árvore é que é utilizada para fins medicinais.
JC: Esse fitoterápico só serve contra o veneno da jararaca-do-norte, ou também pode ser utilizado contra o veneno de outras cobras?
MC: Ainda não posso responder se serve para outras espécies porque testamos apenas no veneno da jararaca-do-norte. Esse é um passo futuro, para os próximos testes.
JC: Como o fitoterápico funciona? Ele elimina o veneno? Deve ser utilizado quando tempo depois da picada? A pessoa fica completamente curada?
MC: O remédio bloqueia a ação edematogênica do veneno, mas não sabemos como ele atua nesse bloqueio. Sabemos que a ação evita o edema local produzido pelo veneno. Deve ser utilizado o quanto antes, porque evita com que o dano tecidual se instale. A pessoa não fica completamente curada, mas reduz o edema. O grande problema desse inchaço, é que ele impede a circulação sanguínea normal, o que pode acarretar na amputação do membro acometido. As pesquisas também mostraram que o remédio tem ação antimicrobiana combatendo as infecções causadas por bactérias que possam estar presentes tanto na pele da pessoa picada, quanto na cavidade oral da serpente, e que podem ajudar na infecção do local. Foi comprovado nas nossas pesquisas que a goiaba-de-anta é um cicatrizante bastante eficaz.
JC: Quando esse remédio estará disponível para venda? Já tem empresas interessadas em produzi-lo?
MC: Ainda não temos nenhuma empresa interessada na produção dele, mas pretendemos que haja interesse por parte de uma indústria farmacêutica estatal, para que seja produzido e direcionado para as pessoas que realmente necessitam dele, ribeirinhos, agricultores, moradores da floresta, os mais sujeitos a acidentes com cobras.
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Evaldo Ferreira

